terça-feira, 17 de março de 2015

Fábula sem moral.

         Em uma bela noite, sob a luz de uma linda lua cheia e sobre o bambo galho seco de uma árvore, um brilhante corvo negro estufava o peito, pronto para abrir suas enormes asas e levantar voo.  Num mergulho súbito, a ave rasgara o céu deixando apenas o rastro de nada para trás.
         Desde então, por dias e noites o corvo seguira uma Raposa. Ele a observava por entre as folhas das árvores, que costumavam ser verdes, porém haviam sido pintadas de amarelo para o outono... O corvo observava a vida como um pequeno parasita.
         Ao som harmonioso de um pôr do sol o corvo mais uma vez rasgou o céu em um mergulho. Ele se aproximou da Raposa e a fez sua única e sofrida... Caça... Ou amiga.
         O Corvo obrigou o Coelho a conhecer o pequeno e ingênuo raio de sol que havia aprisionado nas grades frias do seu coração. 
         Claro, o Coelho se opôs a ideia, não era de se misturar com qualquer bigode, porém, aceitou descaradamente e pacientemente esperou a noite cair... E quando a Raposa se pôs a dormir, ele atacou... Tentou, mas ela era sensível e impediu... O Corvo começara a se arrepender de misturar neve com folha seca, o animalzinho aprisionado atrás das grades havia arranjado um jeito de fugir para os braços de outro alguém.
         Em alguns dias e algumas noites a Raposa conseguiu convencer o pequeno porém grande floco de neve peludo, de que era sim digna de amor.
         Logo o Coelho convenceu o Lobo de que havia mais um poeta entre as árvores. 
         O Lobo era amigo de todos, e acolheu, também, a pequena e frágil folha de outono em seu coração de mãe.
         O inverno havia trazido consigo a real neve, gelada. Gelada como o Corvo que, agora, por noites e dias passara planejando o modo como acabaria com a traidora... Com a desalmada, com a ingrata, com a falsa, com a tortura... 
         Em uma manhã fria como os olhos profundamente azuis do Coelho, o pequeno raio de sol não acordou... Havia um buraco em seu peito, seu coração estava negro e nem ao menos podia sorrir falsamente como sempre fazia todas as manhãs. 
         Com os cuidados do Lobo e do Coelho a Raposa se recuperou. O Amor foi suficiente para que a ferida se fechasse...
         Em uma bela noite, sob a luz de uma linda lua cheia e sobre o bambo galho seco de uma árvore, um brilhante corvo negro estufava o peito, pronto levantar voo. Ele abriu suas enormes asas e apagou as lembranças de todos... E assim, por mais dias e noites, continuou vivendo como uma mentira verdadeira entre as vidas dos que eram felizes... Ou que fingiam, ser felizes.
           

         

domingo, 15 de março de 2015

É complicado...

             Como assim não tem como assim? 
         Simplesmente assim. 
         Quer dizer, como assim tem, mas não tem como assim que me interesse. Bem, não tem como assim que me represente, eu acho. Talvez tenha, mas tenho preguiça de procurar. 
         Como assim preguiça? 
         Preguiça oras. Aquela que te pega de manhã e sussurra ao pé do ouvido para ficar mais um pouco na cama, ou aquela que te empurra um videogame e implora para adiar o dia de fazer lição de casa. 
         Como assim, já deixou de entregar lição porque foi jogar? 
         Os professores me desculpem - Meus pais também, sinto muito. - Mas já. Foi só uma vez... ou duas, ou três... Não importa, parei com isso.
         Aliás, pensando melhor acho que nunca foi por causa disso não...
         E... Como assim, então a preguiça atrapalha a sua vida? 
         Na verdade, atrapalha sim e mais ainda, a das pessoas que são diretamente influenciadas. Aliás, eu já tentei não ter preguiça, até apresentou resultado mas... É impossível acabar com ela completamente.
         Como assim impossível?
         Impossível, algo que não é possível, oras.
         Ok mas, como assim é impossível acabar com a preguiça? Claro que é.
         Sim, claro que é, mas eu tenho preguiça de acabar com a preguiça.
         Como assim?
         Ah, é complicado... 
         Como assim não tinha como assim? Claro que sim.
         Ah, a preguiça de escrever... Procurar uma ideia, coloca-la no papel... Sabe?
         Ãhm... Como assim?
         


           

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Mais um dia no metrô.

          O olhar do cronista... Levantar a cabeça para fora de si, enxergar tudo e absolutamente tudo. Ter o poder de expressar em palavras coisas que nós não vimos.
          A minha vida toda andei de metrô, nunca foi difícil bisbilhotar a vida alheia nos vagões, enxergar o celular por cima do ombro de alguém, estar ao lado de uma conversa momentânea pelo telefone... Porém confesso que esse é um desafio para mim. Digo, colocar no papel as várias cenas e histórias que já presenciei.
           O casal de velhinhos que lutavam para manter-se de pé no inquieto vagão lotado, a mãe extremamente carinhosa e seus dois filhos...
           O pai sentado em uma das cadeiras bem ao fundo do vagão, era de manhã e parecia estar com sono assim como eu. Ele tinha pousada em seu colo uma mochila infantil estampada com a famosa figura do homem-aranha e, pendurado em seu ombro, quase babando, o filho. Vestia o uniforme de sua escola e segurava firmemente os óculos entre as mãos largadas em cima das pernas do pai. Pareciam ter, trinta e pouco e uns... Sete ano de idade. Os dois estavam há bastante tempo naquele dilema de dorme ou não dorme, cochila ou não chochila... Até que em uma das paradas do metrô o vagão deu um tranco, o garoto profundamente adormecido levantou a cabeça de súbito, como a minha Gata quando me ouve chegar no quarto, e olhou para fora com os olhos arregalados, balançou a cabeça e tentou forçar a vista fechando com força os já pequenos olhos... Claro, ele colocou os óculos sobre o nariz e orelhas e novamente olhou para fora, agora mais relaxado. Vi ele se aproximar da figura adulta ao lado, e pelo movimento disse algo como "Ei, estamos chegando". O pai abriu os olhos lentamente, bocejou e olhou firme para fora também. O trem começou a andar novamente e os dois levantaram... Na estação seguinte, saíram. 
             Não é uma cena muito rara,pelo menos para mim, porém de alguma forma... Me afeta, me afeta de forma boa, me passa a sensação de felicidade... Na verdade eu as vezes me vejo espelhada, perdi a conta de quantas vezes meu pai aguentou minha cabeça pesando em suas costas, quantas vezes ele aguentou minha mochila roxa florida pesando em seu colo. Lembranças especiais, cenas que provavelmente vou me lembrar a vida toda.
               Expressar em palavras coisas que não vimos... E ainda julgar ações, acontecimentos, cenas e frases, como especiais.


            

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Um longo final de semana.

         Eu não sou do tipo de pessoa organizada, posso até fingir, mas não sou e nunca fui.
         Meu quarto é o que comprova tudo isso, além de espelhar, também, a imensa preguiça que vive dentro de mim.
         Sapatos diversos largados nos cantos, roupas do fim do dia jogadas em cima do baú, juntamente com as raras que dobro para guardar depois, papéis de rascunhos, escritos, importantes ou não transbordando das gavetas e buracos que achei para enfiar. Por mais nojento e surreal que pareça, eu não me incomodo muito, é a minha bagunça afinal. Quem se incomoda MESMO é o meu pai.
         Ah! Final de semana. Meus únicos dias reservados exclusivamente para o computador, amigos virtuais e jogos, além da melhor comida já feita na semana. Dia de colar a bunda na cadeira... Não, meu pai diz outra coisa.
          Doze vezes por ano, uma vez por mês esse dilema é totalmente dilacerado pelas palavras supremas do mais forte.
"Bibi, vai arrumar seu quarto."
          E é nessas horas que imagino uma música épica na minha cabeça, como aquelas que tocam em filmes quando dois enormes exércitos estão prestes a se chocar.
          Ao final do sábado cinco enormes sacos de lixo são retirados do meu quarto. Se bem que eu acho que podiam ser seis. O guarda roupas está em seu nível máximo de organização, as roupas dobradas, perfeitamente empilhadas uma em cima das outras em seus devidos lugares, que maravilha. Cama arrumada. Baú, mesa e teclado limpos. Realmente, de chorar.
          Ao final do domingo mais um enorme saco de lixo e mais três de doações, como roupas, brinquedos, livros, são retirados no meu quarto.
          Nossa! Meu quarto realmente tem esse tamanho? Por que será que parece maior? É, pois é.
          Não tem prazer maior do que olhar para ESTE quarto "branquinho", vazio, limpo, arrumado... É tão gratificante pensar "Eu fiz isso... EU fiz isso!", mostrar a todos os presentes na casa "Pai! Lú! Lucas! EU TERMINEI!"...
          E então, dali uma semana, voltamos a realidade. Sapatos, roupas, papéis... Eu não me incomodo porque sou acostumada.
Estou trabalhando nisso ainda, vou melhorar, vou sim. Mas até lá...
"Bibi, seu quarto parece outra dimensão."